Os imigrantes deportados pelos EUA que ficam isolados em hotel no Panamá e pedem ajuda pelas janelas

Os imigrantes deportados pelos EUA que ficam isolados em hotel no Panamá e pedem ajuda pelas janelas


Hotel de luxo na capital do Panamá virou local de custódia temporária para 299 imigrantes deportados dos EUA. Duas crianças migrantes deportadas pelos Estados Unidos pedem ajuda na janela de um hotel na Cidade do Panamá
Getty Images via BBC
“Por favor, nos ajudem”, diz a mensagem escrita em um pedaço de papel mostrado por duas meninas através da janela de um dos apartamentos do luxuoso hotel Decápolis, na Cidade do Panamá.
O hotel oferece aos seus hóspedes apartamentos com vista para o mar, dois restaurantes exclusivos, piscina, spa e transporte particular. Mas ele passou a ser um centro de “custódia temporária”, que abriga 299 migrantes de diferentes nacionalidades que foram deportados pelos Estados Unidos, segundo informado na última terça-feira (18) pelo governo panamenho.
Alguns dos imigrantes erguem os braços e os cruzam na altura dos pulsos, como que tentando dizer que estão privados da liberdade. Outros penduram pequenos cartazes com mensagens como “não estamos seguros no nosso país”.
Em dias normais, os turistas podem entrar e sair do hotel, sem nenhum inconveniente. Mas, nas circunstâncias atuais, com membros fortemente armados do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá fazendo a proteção do lado externo e rigorosas medidas de segurança no seu interior, o edifício parece mais um bunker improvisado do que um hotel de luxo.
Da rua, podem ser vistos cabides com roupa lavada pendurados nas janelas. Uma das peças é uma camiseta amarela de basquete do time do Los Angeles Lakers, com o número 24 — a mesma que vestia o lendário jogador Kobe Bryant (1978-2020).
Em outra janela, um grupo de adultos e três crianças levantam um dos braços com o dedo polegar fixado na palma, fazendo o gesto de auxílio internacional empregado por pessoas que se sentem ameaçadas. No vidro, está escrita a frase em inglês help us (“nos ajude”), com letras vermelhas.
Em uma janela mais para o outro lado, dois menores de idade com o rosto coberto sustentam contra o vidro folhas de papéis com a mensagem “por favor, salvem as meninas afegãs”.
Migrantes pedem ajuda da janela do hotel fazendo sinais com as mãos
Getty Images via BBC
Estes migrantes foram despachados pelo governo de Donald Trump, como parte da sua política de deportação de pessoas sem documentos. Eles chegaram em três voos na semana passada, depois que o governo do presidente panamenho José Raúl Mulino aceitou transformar o país em uma “ponte” para os deportados em trânsito para outras nações.
Entre os 299 migrantes, há cidadãos provenientes da Índia, China, Uzbequistão, Irã, Vietnã, Turquia, Nepal, Paquistão, Afeganistão e Sri Lanka, que viajaram no primeiro dos três voos.
Destes, apenas 171 aceitaram retornar aos seus países de origem. Os outros 128 migrantes que não desejam ser enviados de volta enfrentam, pelo menos até agora, um destino incerto.
Segundo as autoridades panamenhas, este grupo será trasladado para um acampamento na província de Darién, que serviu, até o momento, para receber temporariamente os migrantes irregulares que cruzavam a floresta com destino aos Estados Unidos.
‘Estamos aterrorizados’
Uma mulher iraniana que mora há anos no Panamá declarou à BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — que manteve contato com um dos migrantes dentro do hotel Decápolis. Ela descreveu que eles estão “aterrorizados” com a possibilidade de serem levados para o Irã.
O migrante contou em um celular escondido — já que eles não têm permissão para manter nenhum contato com o exterior do hotel — que existem “vários menores retidos” ali. Eles tiveram negada a presença de um advogado e não têm permissão para sair do quarto, nem mesmo para comer.
A mulher foi até o hotel e ofereceu sua ajuda como tradutora do idioma farsi, falado no Irã, para o espanhol. Mas foi informada que já havia um tradutor — o que, segundo sua conversa com o migrante dentro do hotel, não era verdade.
A BBC fez contato com o hotel Decápolis para perguntar sobre as condições em que se encontram os migrantes, mas não houve resposta aos nossos questionamentos.
Dos 299 migrantes deportados pelos Estados Unidos para o Panamá, 128 não desejam ser enviados de volta para os seus países de origem
Getty Images via BBC
Depois que a história dos deportados foi levada a público na terça-feira pela imprensa, foram reforçadas as medidas de segurança para a permanência dos migrantes e seu acesso à internet foi cortado, segundo a mulher iraniana.
Circula nas redes sociais desde o fim de semana um vídeo que mostra uma das migrantes contando, em farsi, que eles foram detidos depois de cruzar a fronteira para os Estados Unidos. Eles teriam sido informados que seriam trasladados para o Estado americano do Texas, mas acabaram no Panamá.
No vídeo, a mulher insistiu que suas vidas correm perigo caso regressem ao Irã, devido às possíveis represálias que eles poderiam sofrer do governo daquele país. Ela afirma que sua intenção é pedir asilo político.
É difícil obter asilo político sem ter acesso a um advogado. E, nesta situação, é ainda mais difícil, pois o governo panamenho anunciou que não ofereceu, nem irá oferecer esta proteção aos cidadãos deportados.
‘Custódia temporária’
O ministro da Segurança Pública do Panamá, Frank Ábrego, informou na terça-feira (18) que os migrantes estão no país de forma transitória. Ele negou que os estrangeiros estejam em condições de detenção, destacando que eles se encontram sob a proteção das autoridades panamenhas.
“Nosso acordo com o governo dos Estados Unidos é que eles fiquem sob nossa custódia temporária para sua proteção”, declarou Ábrego.
Membros do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá vigiam o hotel onde permanecem os migrantes deportados
REUTERS
Questionado sobre a impossibilidade de sair do hotel, Ábrego respondeu que esta é uma medida preventiva e destacou que seu governo deve garantir a segurança e a paz dos panamenhos.
O ministro alertou que os migrantes que não desejarem regressar aos seus países de origem deverão escolher um terceiro país. Neste caso, a Organização Internacional de Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) serão os organismos responsáveis pela sua repatriação.
O Panamá, segundo Ábrego, “recebeu estes senhores migrantes, demos acolhida em um hotel da localidade, no hotel Decápolis, que é o que tem capacidade de recebê-los neste momento.”
O chefe da Segurança Pública também informou que “não é esperada a chegada de novos migrantes” porque não houve acordo sobre outros voos deste tipo.
O Panamá aceitou ser um país “ponte” para as deportações após a visita do secretário de Estado norte-americano Marco Rubio ao país centro-americano, em meio às tensões causadas pelas ameaças de Trump de “recuperar” a soberania do Canal do Panamá.
Segundo informado pelas autoridades panamenhas, parte do acordo determina que o Panamá irá oferecer a pista de aterrissagem e os albergues das zonas urbanas da província de Darién para que os migrantes deportados façam o trânsito até o seu destino.
É na província de Darién que fica a perigosa floresta atravessada pelos migrantes vindos da América do Sul, em sua jornada rumo aos Estados Unidos.
Um porta-voz da OIM declarou à BBC News Mundo que a organização está encarregada de “oferecer apoio essencial” às pessoas deportadas pelos Estados Unidos.
“Estamos trabalhando com funcionários locais para ajudar as pessoas afetadas, apoiando o retorno voluntário daqueles que solicitarem e identificando alternativas seguras para os demais”, destacou o porta-voz.
Duas meninas deportadas mostram de um dos quartos do hotel a mensagem “por favor, salvem as meninas afegãs”, em inglês
EPA via BBC
“Mesmo não tendo participação direta na detenção ou restrição de movimento das pessoas, temos o compromisso de garantir que todos os migrantes sejam tratados com dignidade e de acordo com as normas internacionais.”
O principal pesquisador do centro de estudos Instituto de Política Migratória nos Estados Unidos, Muzaffar Chishti, comentou que muitos dos migrantes deportados provêm de países conhecidos como “recalcitrantes” – ou seja, que não colaboram ou não estão abertos para aceitar o retorno de seus cidadãos deportados pelos Estados Unidos.
“Isso exige constantes negociações diplomáticas com aqueles governos”, declarou Chishti à BBC.
“Enviando os migrantes para o Panamá, os Estados Unidos saem da fotografia”, explica ele. “É uma dor de cabeça para o Panamá se encarregar dessas negociações e verificar como fazer para que esses países aceitem recebê-los novamente.”
Uma das grandes questões no momento recai sobre o futuro dos 128 migrantes que não desejam voltar aos seus países de origem, por medo de represálias.
É esperada para os próximos dias a chegada de um voo com pessoas deportadas dos Estados Unidos para a Costa Rica, outro país centro-americano que fechou um acordo com a Casa Branca para se transformar em “ponte” para levar os migrantes ao seu destino incerto.
A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o governo do Panamá, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
* Com colaboração de Sheida Hooshmandi, da BBC News Persa.

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